Na mochila, apenas roupas; no coração, muitos sonhos – refugiados venezuelanos em Paranaguá encontram apoio em igreja


Por Luiza Rampelotti Publicado 23/11/2022 às 12h11 Atualizado 17/02/2024 às 22h18

Nos últimos anos, o Brasil tem recebido milhares de imigrantes da Venezuela. A situação se dá devido ao agravamento da crise econômica e social no país vizinho, o que faz com que seus cidadãos busquem refúgio e residência temporária em outras nações.

De acordo com agências da ONU, mais de 5 milhões de venezuelanos deixaram o país, e o Brasil seria o quinto destino procurado por eles. Para garantir o atendimento humanitário aos refugiados e imigrantes em Roraima, principal porta de entrada da Venezuela no Brasil, o governo federal criou, em 2018, a Operação Acolhida, nas cidades de Pacaraima e Boa Vista.

Entre abril de 2018 e junho deste ano, a ação registrou 78.767 venezuelanos interiorizados em 844 municípios brasileiros. A operação é uma estratégia de oferta de assistência emergencial aos refugiados, garantindo abrigos na fronteira e todos os processos pertinentes à transferência voluntária dessas pessoas para as cidades, como a confecção de toda a documentação.

A intenção é oferecer assistência emergencial aos imigrantes, organizando a chegada deles, buscando inserção social e econômica e apoiando na procura por emprego e moradia. Alguns desses refugiados acolhidos chegaram até Paranaguá, onde estão buscando recomeçar a vida do zero.


A igreja que acolhe


O pastor Natalio de Freitas Castro, da Igreja Batista Boas Novas do Jardim Iguaçu, começou a perceber um grande número de venezuelanos no bairro. Casado com uma paraguaia, ele conhece a realidade da pessoa que precisa deixar seu país.

Eu sei o que é ser estrangeiro, estar em outro país onde você não conhece ninguém, onde a cultura é completamente diferente. Então, como igreja, começamos a ajudar essas pessoas”, conta.

O pastor passou a juntar doações de alimentos, roupas, calçados, móveis, eletrodomésticos e todo o necessário para garantir o mínimo de dignidade para os refugiados que chegavam na cidade apenas com a roupa do corpo. Porém, o número de pessoas aumentava cada dia mais.

Ele diz que, atualmente, a igreja apoia 26 venezuelanos – todos residem no Jardim Iguaçu, porém existem, ao menos, 100 outros imigrantes que moram na cidade. “Quando o fluxo começou a aumentar, percebemos que não conseguiríamos sozinhos e fomos pedir ajuda para a Prefeitura. Quando chegamos lá, nos surpreendemos, porque eles não sabiam que havia essa demanda”, diz.


Prefeitura abriu o Censo dos Refugiados


Quando o poder municipal descobriu a necessidade de promover políticas públicas para essa população, o primeiro passo foi a criação de um Censo de Refugiados, lançado em outubro. O questionário irá auxiliar a Prefeitura a planejar estratégias específicas para garantir os direitos desses imigrantes.

Ao saírem dos seus países de origem, os refugiados, muitas vezes, enfrentam situações desfavoráveis e de insegurança, podendo ser confrontados com uma realidade de vulnerabilidade. Com isso, faz-se necessária a existência de direitos próprios voltados a essas populações, com a finalidade de protege-las, garantindo o respeito aos seus direitos fundamentais e à sua dignidade humana”, explica a secretária municipal de Assistência Social, Ana Paula Falanga.

O Censo de Refugiados pode ser acessado no site www.paranagua.pr.gov.br, no link ao lado direito da página. Cada pessoa adulta do grupo familiar deve preencher o formulário, desta forma, será possível mapear a quantidade de imigrantes que vivem em Paranaguá, de quais países vieram, e quais suas principais necessidades.

A Igreja Batista Boas Novas ajuda essas pessoas, que vêm com suas famílias apenas com uma mochila de roupas. Nós prestamos apoio para a procura de aluguel, doamos os móveis, eletros, ajudamos a encontrar empregos, fazemos doação de roupas, alimentação etc. Eles precisam de ajuda pelo menos nos primeiros meses, porque chegam sem nada, apenas uma bolsa, a família e o sonho de recomeçar a vida. Mas se continuar chegando tanta gente, não conseguiremos ajudar sozinhos”, diz o pastor Natalio.


Política Municipal para Imigrantes e Refugiados


Procurada por ele, a vereadora Vandecy Dutra (PP) também começou a trabalhar em formas de apoiar essa população. Ela criou um Projeto de Lei que institui a Política Municipal para Imigrantes e Refugiados em Paranaguá, que está na Comissão de Justiça e Redação Final da Câmara, depois passará pelas demais comissões para, então, ir para votação.

O projeto tem o objetivo de garantir ao imigrante o acesso a direitos sociais e aos serviços públicos; promover o respeito à diversidade e à interculturalidade; impedir violações de direitos; fomentar a participação social e desenvolver ações coordenadas com a sociedade civil, entre outros.

O PL foi apresentado em 19 de outubro, mas não tínhamos o cadastro para sabermos quantos imigrantes têm na cidade. Como precisamos saber para quem iríamos fazer a política, foi aberto o Censo para descobrirmos quais serão as ações, principalmente, emergenciais, para o acolhimento dessas pessoas”, diz a vereadora.

Vereadora Vandecy Dutra e pastor Natálio Castro falam sobre a importância de uma política municipal para acolhimento dos refugiados, em Paranaguá.

“Não há comida na Venezuela”, diz imigrante


Uma das refugiadas que mora no Jardim Iguaçu é Adriana Carolina Nabarro, de 28 anos. Há oito meses em Paranaguá, ela veio para o país com seu filho de 5 anos e seu esposo. Sua filha, de 9 anos, já estava no Brasil com a avó paterna e, recentemente, também veio para Paranaguá. Agora, a família está completa.

Adriana conta que o motivo pelo qual as pessoas estão saindo da Venezuela é a crise política e financeira. “Não podemos morar lá, é muita fome, não há medicamento, não há comida, gasolina, nada. Então decidimos imigrar para toda parte do mundo, mas a maioria veio para o Brasil, que é mais perto”, comenta.

Ela chegou ao Brasil por Pacaraima e foi apoiada pela Operação Acolhida. Conseguiu toda a documentação, ficou em um abrigo em Boa Vista e, em seguida, foi para a interiorização. “Quando cheguei no Brasil, parecia que morava aqui a vida toda. As pessoas têm sido muito acolhedoras”, comemora.

Adriana chegou à Paranaguá através da ajuda de uma pessoa que ela havia auxiliado anteriormente. Foram os próprios militares, os quais fazem parte da operação, que a deixaram pessoalmente na casa em que ela foi recepcionada. Atualmente, seu esposo já está trabalhando.

Adriana Carolina e família vieram em busca de uma nova vida. Ela conta os motivos para terem saído da Venezuela.

“Estamos começando do zero”, conta família venezuelana


Outra família que mora em Paranaguá é a de Andrea Estefânia Bernaez Gonzalez. Ela, seu esposo Armando Jesus Penha Roman, seu filho Martin Andres Serrano Bernaez, de 14 anos, sua filha Adhara Sofia Penha Bernaez, de 2 meses, e sua mãe, Ana Teresa Gonzalez Acosta, estão na cidade há 1 ano, mas já vivem no Brasil desde 2018. Eles residem no Porto dos Padres, mas frequentam a igreja no Jardim Iguaçu.

Qualquer imigrante começa do zero; chega a outro país apenas com uma mala, um pouco de roupa e muitos sonhos”, conta Andrea.

Quando ela saiu da Venezuela – no início da crise –, a família já estava passando muita fome. Formada em direito e em educação pré-escolar, ela diz que não conseguia comprar comida, um par de sapato, não tinha nem dinheiro para ir ao trabalho, já que os ônibus não tinham pneu, nem gasolina.

Não tinha mais dinheiro para sacar em caixas eletrônicos. O salário, que dava cerca de R$ 15 por mês, só dava para comprar comida para três dias. O resto do mês não tinha dinheiro nem para comer, por isso as pessoas ficam loucas”, relembra.

Quando chegaram ao Brasil, moraram em diversas cidades em busca de trabalho. A última foi Concórdia (SC), onde conseguiram abrir uma lanchonete. Porém, com a pandemia de coronavírus, foram obrigados a fechar as portas e, com isso, nem o dinheiro do aluguel estavam conseguindo.

Andrea Gonzalez passou em um concurso público no Brasil, mas não conseguiu assumir a vaga devido à falta de revalidação do diploma. Ela é advogada e professora.

Profissionais, mas sem conseguir exercer a profissão


Foi quando Armando veio para Paranaguá, uma vez que seu irmão já morava na cidade e trabalhava como motorista de caminhão. Pouco tempo depois, já trabalhando como motorista também, conseguiu trazer o restante da família. Na Venezuela, ele trabalhava como organizador de eventos.

Um dos diplomas de graduação de Andrea. Foto: JB Litoral/Rafael Pinheiro

Somos muito bem acolhidos no Brasil, é o único país em que não sofremos xenofobia. A parte mais triste é chegar aqui e ter que começar a trabalhar do zero, como se nunca tivéssemos estudado, como se não tivéssemos uma profissão, não fossemos profissionais. Então, por mais que tenhamos uma profissão, precisamos aceitar o que tiver, fazer limpeza, faxina. Mas lá na Venezuela, tínhamos uma boa vida até a crise, só que precisamos nos desfazer de tudo, bens, imóveis, para sair do país”, diz.

Andrea também lamenta não poder exercer sua profissão no Brasil. Ela chegou a passar em um concurso público para a Prefeitura de Concórdia, no cargo de professora, mas quando foi assumir a vaga, seu diploma não foi aceito. “O problema é que não temos informações sobre como fazer para revalidar o diploma. Essa é uma parte ausente, não há um site, um órgão que nos direcione e explique o que precisamos fazer”, comenta. 


“Quero um futuro melhor para o meu filho”, diz refugiado


Quem tem conseguido trabalhar com o que já fazia na Venezuela é o imigrante Carlos Mejias. Ele é mecânico e, morando em Paranaguá há apenas três meses, já conseguiu emprego em uma oficina. 

A realidade é que estou buscando uma melhor vida, um melhor trabalho. Não estou buscando nada de graça, só quero trabalhar e um melhor futuro para o meu filho”, confessa.

Carlos mora no Brasil há sete meses e veio para cá devido à situação econômica de seu país. “Lá há trabalho, há o que se fazer, mas o dinheiro não rende para nada. Com um mês de trabalho, se compra comida para dois ou três dias. O que vai fazer nos outros dias em que não há dinheiro?”, relata.

Ele conta que tem várias profissões – mecânico, designer gráfico e cabelereiro. “Pelo menos aqui no Brasil, trabalho não me faltará. E estou trabalhando e dando certo. Cheguei aqui só com a roupa do corpo, e tenho três filhas, minha mulher e trouxe minha mãe. Estamos recomeçando do zero”, conclui.