Escassez de caminhões e armazéns abarrotados de fertilizantes: entenda o gargalo do setor portuário


Por Katia Brembatti Publicado 14/09/2021 às 10h50 Atualizado 16/02/2024 às 13h17

Uma combinação de fatores – que envolve até um ditador do outro lado do mundo – desequilibrou a balança de oferta e procura em Paranaguá e Antonina, com fretes rodoviários mais caros e capacidade de estocagem perto do limite máximo. Trata-se de uma situação que está afetando vários setores, com consequências como aumento de preços e dificuldades de operação. Para entender o que está acontecendo, o JB Litoral preparou uma reportagem especial, entrevistando representantes de várias áreas e especialistas.

O cenário atual começou a se desenhar quando os preços dos produtos agrícolas, como soja e milho, dispararam e muitos agricultores e cooperativas decidiram antecipar a importação de adubo, para garantir as condições da próxima safra, fugir da perspectiva de valores mais altos e também tentar escapar de eventuais embargos à Bielorrússia, um dos principais fornecedores de fertilizantes do mundo, que vive uma crise política que se intensifica desde que Alexander Lukashenko foi reconduzido para o sexto mandato como presidente, em meio a suspeitas de fraude eleitoral.

Na primeira fase, isso resultou em movimentação maior de adubos em Paranaguá e Antonina, tanto nas áreas públicas como privadas. O diretor de Operações Portuárias da Portos do Paraná, Luiz Teixeira da Silva Júnior, conta que o volume entre janeiro e agosto foi de 7,3 milhões de toneladas, 1 milhão a mais do que no mesmo período do ano passado. Com o interesse pelo produto e a antecipação das compras, a capacidade de estocagem passou a ser muito demandada.

Como o preço do frete já estava alto, em função da disparada do diesel, muitos importadores decidiram deixar o produto parado, esperando o melhor momento para o transporte. Essa ocasião tinha tudo para ser a safrinha de milho para a exportação. Mas novamente as coisas saíram dos planos. Como o JB Litoral já mostrou, em agosto, houve uma quebra enorme na colheita de milho – primeiro por causa da seca no plantio e depois da geada –, que afeta o setor de granéis sólidos em Paranaguá.

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Paranaguá e Antonina estão batendo recorde de movimentação de fertilizantes. Foto/ Claudio Neves/Portos do Paraná

Com isso, menos caminhões estão descendo carregados, resultando em menos oferta do chamado frete de retorno (que é mais barato). Para complicar ainda mais o panorama, a partir de setembro, há a possibilidade de redução nas cargas de fertilizantes vindas da Bielorrússia, pois alguns fornecedores já informaram que não vão conseguir honrar os contratos. Mesmo com esse contratempo, a perspectiva ainda é de fechar o ano com mais importações de fertilizantes do que em 2020, batendo 11 milhões de toneladas.

Pátio de Triagem quase vazio

Em julho, a importação de fertilizantes em Paranaguá e Antonina bateu o recorde mensal, com R$ 1,198 milhão de toneladas. “Chegamos a ter cinco navios descarregando simultaneamente”, conta Teixeira, uma vez que o comum é usar os três berços especializados. Assim, a capacidade estática de armazenagem de mais de 2 milhões de toneladas passou a ser fortemente requerida. “Está um sufoco conseguir espaço”, diz. Ainda não se chegou ao máximo. “A hora que a retaguarda lota, os navios se negam a atracar e isso não chegou a acontecer”, acrescenta.

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A circulação de caminhões está baixa, deixando quase vazios os estacionamento de postos de combustíveis. Foto: Claudio Neves/Portos do Paraná

Mas o diretor de Operações Portuárias admite que está num “nível perigoso”. A situação alivia um pouco quando chove – porque não há embarque ou desembarque de granéis sólidos, e a retirada nos armazéns continua acontecendo. Além da redução do milho para a exportação, também diminuiu, temporariamente, a movimentação de soja e farelo. Com a carência interna desses produtos, principalmente para substituir o milho na ração animal, o Corredor de Exportações teve queda nos volumes: agosto costuma registrar 2 milhões de toneladas e, em 2021, chegou apenas a 1,17 milhão. Isso também significa menos caminhões circulando em Paranaguá. 

“A olhos vistos, tem menos caminhão do que em outros anos”, destaca Teixeira. Na quarta-feira (8), por exemplo, apenas 337 caminhões passaram pelo pátio de triagem do porto de Paranaguá. A movimentação sofreu impacto de paralisações de caminhoneiros em alguns pontos do Brasil. Na sexta, o número subiu para 599, mas ainda bem abaixo do normal. Em agosto do ano passado, 40 mil veículos passaram pelo pátio de triagem e em 2021 foram 26 mil – 14 mil a menos. Essa frota está fazendo falta para o frete de retorno do fertilizante. Com o preço do transporte em alta – por causa dos combustíveis e da procura –, Teixeira projeta que essa situação complexa para a distribuição de fertilizantes pode se estender até janeiro, quando a safra principal passa a ser exportada.

Ponta do Félix comemora disparada da movimentação

No horizonte, até o final de setembro, as perspectivas são de aumento substancial na movimentação de fertilizantes nos Terminais Portuários da Ponta do Félix S/A (TPPF). O line up (planejamento da chegada de navios) aponta que será possível fechar os primeiros nove meses de 2021 em 600 mil toneladas – 80% acima das 360 mil do ano passado.

O diretor-presidente do TPPF, Gilberto Birkhan, comenta que a demanda por armazenagem está muito expressiva. “A rotação está assim: cada carga que sai já é rapidamente reposta”, diz. O TPPF tem 20 armazéns só na área primária, com suporte alfandegário. São 65 mil metros quadrados, com capacidade de 260 mil toneladas, em média, dependendo da densidade do produto. A procura em alta levou a algumas táticas operacionais. “Podíamos nos dar ao luxo de não ocupar todos os espaços, mas agora cada metro quadrado conta”, explica, dizendo que buscaram formas para comportar mais carga nos espaços existentes.

Para Birkhan, a situação não será resolvida em curto prazo. “Armazéns não se constroem de um dia para o outro. Então o que resta é otimizar a logística, como aproveitar todos os caminhões disponíveis”, diz, mesmo tendo que pagar preços maiores pelo frete. Ele afirma que, apesar da disparada no preço dos fertilizantes – já que alguns dos produtos chegaram a duplicar de valor, em dólar – a balança ainda está favorável para os agricultores, que lucraram muito com a venda de commodities.

Tudo é consequência do bom momento do agro”, avalia. O diretor-presidente do TPPF acrescenta que já ficou sabendo de compras de fertilizantes para 2023 e que projeta ainda mais crescimento para o setor. O consultor de Logística da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Nilson Hanke Camargo, reforça que a produção agrícola está demandando muito adubo e que fatores como a geopolítica internacional levaram à antecipação de compra, resultando no cenário atual de movimentações.

Situação mexe com a operação dos terminais portuários

Douglas Soares Pires, gerente de Operações e Logística da Harbor Operadora Portuária, confirma a situação de armazéns cheios de fertilizantes e as dificuldades que os importadores estão enfrentando com escassez de caminhões e fretes altos. Uma série de variáveis pesa na hora de fazer o transporte, como a necessidade do adubo (se é imediata ou não) e o custo de estocagem. Ele comenta que muitos compradores só estão indo buscar quando a conta começa a ficar favorável. Para o gerente, uma forma que poderia melhorar a equação seria “amarrar” o frete, com contratos previamente combinados, que funcionaria como garantia de oferta e de preço.

Jorge Magalhães, superintendente comercial da Rocha Terminais, destaca que o gargalo logístico levou, inclusive a um incremento no transporte ferroviário. Ele destaca que mais fertilizante está saindo de Paranaguá em vagões, como forma de compensar a escassez de caminhões. Na prática, não estão faltando veículos, mas quando o caminhão não desce carregado e o motorista é atraído apenas pelo frete de subida, acaba saindo mais caro para o responsável pela carga de fertilizantes. 

Magalhães confirma que não existe mais muito espaço disponível nos armazéns, nem perspectiva de que o preço do frete diminua. Mas há a estimativa de que a demanda do campo force a retirada do que está estocado. Mesmo diante de tantos percalços, o superintendente comercial da Rocha Terminais salienta que Paranaguá ainda vive uma situação privilegiada, uma vez que tem a maior capacidade de armazenagem de fertilizantes do Brasil e acaba sendo escolhido em detrimento de outros portos que não teriam onde colocar as cargas trazidas do exterior e precisariam de escoamento imediato. Os portos do litoral do Paraná respondem por 30% de todo o fertilizante importado pelo Brasil – e o país compra muito, pois produz apenas 15% do que precisa.

Os portos paranaenses contam com estruturas exclusivas para fertilizantes, como o píer da Fospar. Foto: Rodrigo Felix Leal/SEIL
Rede de prestadores de serviço sentem os efeitos

A espera pelo frete de retorno já faz parte da cultura de transporte em Paranaguá. Com menos caminhoneiros circulando pela cidade, vários comércios que vivem das vendas para os motoristas, como restaurantes e postos de combustíveis sentiram a redução nas negociações. Na semana que passou, os pátios ficaram ainda mais vazios por causa de paralisações de caminhoneiros em alguns pontos de rodovias pelo Brasil. Iuri Henrique da Silva Thomaz, da Adubai Transportes, explica que tem, no momento, 40 cargas disponíveis, esperando caminhoneiros.

“Estão faltando caminhões – para comprar e para contratar”, diz. Um dos motivos seria a dificuldade que várias transportadoras estão tendo com veículos parados por falta de profissionais. O setor de transporte está, inclusive, sendo impactado pela redução no número de caminhoneiros – muitos estariam optando por outras profissões ou mesmo trocando de carreira, como motoristas de Uber. Por causa desses fatores, o assessor admite que houve aumento no preço do frete, mas pondera que estão ainda abaixo da inflação do setor, que foi muito pressionada pelo disparada dos combustíveis.